A não assinatura do termo de contrato pela Administração no prazo de validade da proposta e suas consequências. (De acordo com a Lei n. 14.133/2021)

   A Lei nº 14.133/2021 trouxe uma ampla disciplina acerca dos procedimentos relativos à formalização dos contratos (arts. 89 a 95), os quais são realizados após a homologação da licitação.

 

   Nesse ponto, o referido diploma legal estabeleceu em seu art. 90 os procedimentos quanto à convocação do licitante vencedor para assinar o termo de contrato ou para aceitar ou retirar o instrumento equivalente, elencando a possibilidade de prorrogação do prazo de convocação e as consequências da não contratação do licitante vencedor. Essas consequências podem ocorrer pela recusa deste em assinar o termo de contrato ou em aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e nas condições estabelecidas no edital, ou pela liberação do licitante quando decorrido o prazo de validade da proposta indicado no edital sem a convocação para a contratação.

 

   No que importa ao presente artigo, a Lei nº 14.133/2021 trouxe apenas duas hipóteses de não assinatura do termo de contrato no art. 90, ambas referentes ao licitante vencedor, quais sejam: 1) a prevista no § 2º, em que o licitante não assina o contrato; e 2) a prevista no § 3º, quando o licitante é liberado do compromisso por ele assumido, em razão de ter sido convocado após o decurso do prazo de validade da proposta indicado no edital.

   Contudo, da leitura atenta do art. 90 da Lei nº 14.133/2021, pode-se vislumbrar hipóteses não previstas pela Lei, que poderão ocorrer no caso concreto e com as quais o agente público ou o licitante terão que lidar.

 

   Uma delas é a de o licitante vencedor ser convocado pela Administração para assinar o termo de contrato dentro do prazo de validade da proposta indicado no edital e, tendo o licitante assinado o referido termo de contrato ainda quando válida sua proposta, a autoridade competente da Administração não assine ou assine o termo de contrato em prazo distinto do licitante vencedor, após decorrido o prazo de validade da proposta.

 

    Um exemplo torna mais clara a situação aqui narrada: suponhamos que a abertura da licitação tenha ocorrido em 27/03/2024, tendo o edital previsto que a proposta seria válida pelo prazo de 60 (sessenta) dias corridos, contados da data de abertura do certame. A licitação foi concluída, tendo a adjudicação e homologação ocorrido no dia 29/04/2024. Em 17/05/2024, o licitante vencedor do certame foi convocado, nos termos do caput do art. 90, para assinar o termo de contrato no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados da convocação, tendo praticado o referido ato no mesmo dia da convocação. Não obstante, a autoridade competente da Administração assinou o referido termo de contrato apenas em 29/05/2024, ou seja, 3 (três) dias após o término da validade da proposta do licitante vencedor.

 

   Assim, questiona-se: estaria o licitante vencedor agora vinculado às regras previstas no termo de contrato, uma vez que o assinou antes do término da validade da proposta? Ou, em razão de o termo de contrato ter sido assinado pela autoridade competente da Administração após o término da validade da proposta, estaria o licitante vencedor liberado dos compromissos assumidos, caso assim o quisesse?

Vejamos o teor da Lei:

Art. 90. A Administração convocará regularmente o licitante vencedor para assinar o termo de contrato ou para aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e nas condições estabelecidas no edital de licitação, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei.

(…)

  • 2º Será facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou não retirar o instrumento equivalente no prazo e nas condições estabelecidas, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a celebração do contrato nas condições propostas pelo licitante vencedor.

  • 3º Decorrido o prazo de validade da proposta indicado no edital sem convocação para a contratação, ficarão os licitantes liberados dos compromissos assumidos. (Grifei)

   Como se vê, temos aqui uma situação hipotética em que o licitante vencedor foi efetivamente convocado, dentro do prazo de validade da proposta, para a assinatura do termo de contrato, tendo-o efetivamente assinado. Não se trata, portanto, de nenhuma das hipóteses expressamente previstas nos §§ 2º e 3º do art. 90.

 

   Ocorre que o legislador, ao criar uma lei geral, não consegue prever todas as hipóteses que podem ocorrer nos casos concretos (e nem é essa sua intenção), o que demanda do intérprete extrair do texto legal a melhor norma que se aplique a cada caso.

 

   Assim, ante a ausência de previsão legal expressa acerca da hipótese narrada, entende este autor que o licitante vencedor estaria liberado do compromisso assumido caso o termo de contrato tenha sido assinado pela autoridade competente da Administração após o decurso do prazo de validade da proposta.

 

   Ora, o princípio da legalidade, insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal, bem como no art. 5º da Lei nº 14.133/2021, enuncia (em uma de suas acepções) que cabe à Administração agir apenas em sintonia com o que está prescrito em lei. Assim, a Administração não pode ir além ou aquém da prescrição legal, principalmente quando restringe direito do administrado.

 

   Dessa forma, a teor do exposto no § 3º do art. 90, o enunciado parece pressupor (se assim podemos dizer) que o termo de contrato já tenha sido assinado pela autoridade competente da Administração ou que ela o fará dentro do prazo de validade da proposta do licitante vencedor.

 

   Diante disso, embora a Lei nº 14.133/2021 não preveja expressamente a hipótese aqui narrada, ela assegura que, decorrido o prazo de validade da proposta, o licitante vencedor será liberado de seu compromisso. Isso deve ser entendido como um direito do licitante vencedor de se eximir da obrigação de cumprir o compromisso assumido quando da formulação de sua proposta, se esta vier a expirar sua validade, seja durante o certame, seja após a homologação da licitação e antes da convocação para a contratação.

 

   Nem se diga que a diferença de prazo entre o vencimento da proposta e a assinatura do contrato pela autoridade competente da Administração é pequena e que essa diferença de prazo não alteraria o fato de que, uma vez firmado o termo de contrato pelo licitante vencedor, ele estaria assumindo a obrigação de manter sua proposta até o prazo contratual ou até o cumprimento do contrato, dependendo do objeto.

 

   Se o termo de contrato for assinado pela autoridade competente da Administração em 1 (um), 3 (três), 70 (setenta) dias ou mais após o vencimento da proposta, mesmo que o licitante vencedor tenha assinado o termo de contrato dentro do prazo de validade da proposta, ele estará liberado do compromisso assumido. Isso ocorre porque a morosidade da Administração em concluir as formalidades da contratação não pode ser imputada ao licitante vencedor, que tem o direito de optar por manter ou não a proposta mesmo após o prazo de sua validade. Não cabe à Administração intervir nos motivos que levaram à não manutenção da proposta pelo licitante vencedor, se for o caso.

 

   Ocorrendo a perda da melhor proposta pela Administração, pelos motivos acima mencionados, deverá ser instaurado um processo administrativo para apuração de responsabilidade de quem tenha dado causa.

 

Sobre o direito de manter a proposta, mesmo após vencido o prazo de validade desta, ensina Marçal Justen Filho[1]:

Se a Administração não convocar os interessados para a contratação até o decurso do prazo de validade das propostas fixado no edital, ficarão eles liberados do cumprimento de seus termos.

Pode ocorrer, inclusive, que o prazo aludido seja ultrapassado e que o licitante vencedor mantenha seu interesse em contratar. Embora vencido o prazo do edital, nada impede que a contratação seja efetivada se o licitante manifestar sua disposição em manter a proposta.

  Tal circunstância decorre do fato de que a contratação se perfectibiliza com a assinatura do termo de contrato por ambas as partes (licitante vencedor e Administração) dentro do prazo de validade da proposta indicado no edital, que constitui, por assim dizer, um limite temporal para a efetivação da contratação. Caso esse prazo não seja respeitado, o licitante vencedor será liberado de seu compromisso assumido, conforme preceitua a norma contida no § 3º do art. 90, uma vez que a proposta apresentada pelo licitante o obriga até o prazo limite indicado no instrumento convocatório.

 

  Acerca dessa necessária conclusão das formalidades da contratação, sustenta ainda o citado autor[2]:

A Lei subordina o aperfeiçoamento do contrato à observância de formalidades específicas. Portanto, enquanto não produzidas tais formalidades, o contrato administrativo não é reputado como existente.

O mesmo posicionamento é afirmado por Egon Bockmann Moreira e Flávio Amaral Garcia[3]:

Para o Direito Administrativo, antes da assinatura de ambas as partes no termo (ou instrumento equivalente), não existe a relação jurídico-material chamada contrato. Pode haver o consenso, mas aqui a formalização é essencial à validade do negócio jurídico.

   De igual forma, cumpre destacar que se aplica o mesmo entendimento quando da não assinatura das atas de registro de preços pela autoridade competente da Administração, após a conclusão da respectiva licitação, em razão da similitude procedimental entre a formalização desses documentos e dos termos de contratos, a despeito da distinção da natureza jurídica desses instrumentos.

 

 

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1217.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1219.

[3] MOREIRA, Egon Bockmann; GARCIA, Flávio Amaral. Contratos Administrativos na Lei de Licitações: comentários aos artigos 89 a 154 da Lei nº 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, p. 42.

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Cleverson Ferreira

Advogado especializado em Licitações e Contratos Administrativos. Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Prática pelo Instituto Goiano de Direito (IGD). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Pregoeiro, Agente de Contratação e Membro de Comissão de Contratação na Prefeitura de Goiânia. Atua desde 2013 com licitações e contratos administrativos.

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