Empresas em Recuperação Judicial e Licitações Públicas: Buscando um Equilíbrio entre Recuperação Econômica e Segurança do Poder Público

A participação de empresas em recuperação judicial em licitações públicas é um tema complexo, abrangendo aspectos jurídicos, econômicos e sociais. Este artigo busca explorar profundamente este tema, analisando os benefícios, os desafios e as implicações práticas e legais envolvidas.

A legislação antiga em que sua vigência se encerra em dezembro de 2023 (Lei 8.666/93) e a nova Lei 14.133/21 prevê no art. 62 no inciso III que o Licitante apresentará a documentação necessária e suficiente para comprovar sua capacidade econômico-financeira e tais documentos estão previstos no art. 69, incisos I (balanço patrimonial dos últimos 02 exercícios) e II (certidão negativa de falência) em que ambas têm o objetivo verificar a saúde financeira da empresa Licitante.

Entretanto, a exigência legal tem sido flexibilizada, tanto que o Tribunal de Contas da União orientou no Acórdão 8.271/2011 da 2ª Câmara que “possível a participação de empresa em recuperação judicial, desde que amparada em certidão emitida pela instância judicial competente, que certifique que a interessada está apta econômica e financeiramente a participar de procedimento licitatório nos termos da Lei 8.666/93.”.

Portanto sua saúde financeira pode ser comprovada por outros meios, nesse sentido foi a manifestação da AGU no Parecer nº 04/2015/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU – Processo nº 00407.000226/2015-22 no inciso VIII “A empresa em recuperação judicial com plano de recuperação acolhido deve demonstrar os demais requisitos para a habilitação econômico-financeira.”.

Demonstrando-se que a Licitante possuí a saúde financeira necessária para cumprir o futuro contrato, não faz sentido afastar o Licitante somente pelo fato de estar em Recuperação Judicial e que não conseguiria “honrar” com seus futuros compromissos junto a Administração Pública, sendo que a situação deve ser avaliado de acordo com o caso concreto.

Sob o aspecto da preservação dos benefícios sociais da atividade empresarial (norte do instituto da Recuperação Judicial, insculpido no art. 47 da Lei nº 11.101/05), permitir a participação dessas empresas em licitações pode ser crucial para sua sobrevivência, criando um fluxo de caixa necessário para reestruturação e investimento, especialmente porque a recuperação de empresas em dificuldade financeira impacta positivamente a economia local e nacional, mantendo empregos e sustentando cadeias de fornecimento.

O desafio maior nesses casos de empresas que buscam seu soerguimento e possuem atividades ligadas a contratos com o setor público são de natureza interna/gerencial ligados à capacidade de entrega. Com isso, empresas em recuperação judicial devem primar – assim como aquelas que não estão em crise – pela demonstração de sua capacidade técnica e financeira, além de manter total transparência em sua gestão, para assegurar aos órgãos públicos – para além do próprio juízo recuperacional – que estão em um caminho viável de recuperação.

Vejamos o que diz a legislação recuperacional.

O Artigo 52, Inciso II, da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/2005) aborda especificamente as condições e restrições aplicáveis a empresas em recuperação judicial. Este dispositivo legal é fundamental para entender e comentar sobre a possibilidade dessas empresas participarem de licitações públicas.

A inteligência deste artigo estabelece que, tão logo deferido o processamento da recuperação judicial, a empresa não será impedida de contratar com o poder público nem de receber benefícios ou incentivos fiscais, já que fica dispensada de apresentar certidões para continuar suas atividades – não havendo quaisquer ressalvas acerca de contratações públicas.

Sua interpretação, logo, sugere um incentivo legislativo para que empresas em recuperação judicial possam continuar operando normalmente, inclusive participando de licitações. Portanto, é permissivo concluir que as empresas em recuperação judicial têm amparo legal para participar de licitações públicas.

Este entendimento alinha-se com a finalidade da lei de promover a recuperação e a preservação da empresa, mantendo sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Os questionamentos que recaiam sobre tal possibilidade consistiam em imprimir dúvidas se a empresa conseguiria – inobstante a crise perpassada – cumprir com suas obrigações perante o Poder Público, havendo casos de recusa de determinados órgãos em assinar os contratos, apenas e tão somente pelo fato de a empresa vencedora do certame estar em Recuperação Judicial.

O tema já foi levado à justiça e o STJ firmou entendimento no sentido de que a lei não deve ser interpretada de maneira restritiva para excluir empresas em recuperação judicial de licitações, a menos que haja disposição legal explícita nesse sentido (REsp nº 1.826.299/CE).

Razoável é o entendimento do Tribunal, uma vez que, não é lícito promover a exclusão sumária da empresa em Recuperação Judicial apenas por ostentar tal condição, e menos ainda se for provada a capacidade/viabilidade econômica de cumprimento do contrato a ser celebrado.

A exclusão automática dessas empresas de tais certames, é bom que se diga, violaria os princípios da isonomia e da competitividade, os quais não podem deixar de ser observados pela Administração Pública.

Ademais, existem empresas que dependem de relações com o Poder Público, ora por meio de contratações (à exemplo de construtoras), ora porque necessitam de permissões/autorizações (como é o caso das empresas de transporte público) para operarem. E todas estas, assim como quaisquer outras, estão sujeitas a sofrerem uma crise financeira conjuntural e, por isso, socorrerem-se do favor legal da Recuperação Judicial.

É sabido que o Poder Público deve ser assegurado e exigir garantias nos contratos celebrados com o setor privado, por isso a importância – e aqui fica uma singela sugestão – de que hajam critérios específicos e rigorosos de monitoramento contínuo sobre tais contratações com empresas em RJ, podendo figurar como fator de minimização de riscos associados à inadimplência ou execução insatisfatória.

Conclui-se, pelo exposto, que a inclusão de empresas em recuperação judicial em licitações públicas (e especialmente a efetiva contratação destas) requer um exame cuidadoso e uma abordagem equilibrada. Ao balancear as necessidades de recuperação das empresas com a responsabilidade e a eficiência do poder público, pode-se encontrar um caminho benéfico para ambos os setores.

A chave para este equilíbrio está na criação de um ambiente regulatório claro, na implementação de critérios rigorosos de avaliação, e no compromisso com a transparência e a ética em todas as etapas do processo. Este debate, embora complexo, é essencial para garantir tanto a saúde econômica do setor privado quanto a eficiência e a integridade das contratações públicas.

 


 

Jorge Lucas – Advogado, administrador judicial, membro do Núcleo de Recuperação de Empresas do Lara Martins Advogados e ex-integrante do Núcleo de Falência e Recuperação Judicial da Procuradoria da Fazenda Nacional em Goiás (PFN/GO).

Augusto Cândido – Advogado, Consultor e Palestrante. Pós Graduando em MBA em Licitações e Contratos (IPOG) e Jurisprudência Penal (CEI).

Augusto Cândido

Augusto Cândido – Advogado, Consultor e Palestrante. Pós Graduando em MBA em Licitações e Contratos (IPOG) e Jurisprudência Penal (CEI).

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