INTRODUÇÃO
A Lei nº13.303/2016[1], conhecida como lei das estatais, é sem sombra de dúvidas a principal inovação no marco legal da atividade corporativa estatal desde o Decreto-Lei nº200, de 25 de fevereiro de 1967. A referida Lei dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública – EP, da sociedade de economia mista – SEM e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A lei das empresas estatais pode ser dividida basicamente em duas partes distintas. A primeira parte abrange um conjunto de regulamentos relacionados à governança corporativa, à transparência na gestão e aos mecanismos de controle das atividades econômicas. A segunda parte trata das normas que dizem respeito aos processos de licitação e contratação.
Reconhecendo a relevância dessa legislação e dos diversos tópicos associados a ela, embora não tenhamos a intenção de esgotar o assunto, este estudo se concentrará de maneira prática nas fases dos processos de licitação em empresas estatais, considerando também alguns casos recentes relevantes, juntamente com insights fornecidos pelo professor.
As fases da licitação pela Lei das Estatais e suas vantagens
A Lei nº13.303/2016 estabeleceu, em seu art. 51, a seguinte sequência para as fases do procedimento de licitação:
Art. 51. As licitações de que trata esta Lei observarão a seguinte sequência de fases:
I – preparação;
II – divulgação;
III – apresentação de lances ou propostas, conforme o modo de disputa adotado;
IV – julgamento;
V – verificação de efetividade dos lances ou propostas;
VI – negociação;
VII – habilitação;
VIII – interposição de recursos;
IX – adjudicação do objeto;
X – homologação do resultado ou revogação do procedimento.
A sequência de fases é similar à do pregão e à do RDC, de forma que a fase de apresentação de propostas ou lances, com o devido julgamento, precede a fase de habilitação. De acordo com Autounian; Cavalcante; Coelho,[1] essa sequência de fases apresenta vantagens:
- “A comissão de licitações não precisa analisar a habilitação de todas as licitantes no primeiro momento, o que gera uma economia no tempo de abertura”;
- “Significa também redução de recursos das empresas, pois aquelas com pio classificação em termos de preços desistem de apresentar recursos. No processamento com base na Lei nº8.666/93 era comum, por exemplo, um licitante que teria sua proposta classificada na 14ª posição, sem saber disso na fase de habilitação, recorrer contra outra licitante que estaria na 17ª posição”;
- “Viabilidade de implantação de fase recursal única, em vez de uma fase para recurso de habilitação e a outra para recurso de propostas, o que acarreta significativa redução no tempo de processamento”.
AS FASES DAS LICITAÇÕES NAS ESTATAIS, ALGUMAS DECISÕES RELEVANTES E A DICA DO PROFESSOR
Preparação
Essa fase implica um planejamento eficaz, onde a administração empreende os estudos prévios para definir o objeto da licitação e a melhor solução para atendimento da necessidade da organização. Serão definidas também, as condições e regras de participação no certame, com o objetivo claro de ao final celebrar um contrato que deverá atender a demanda da empresa estatal.
Os Agentes envolvidos no processo irão reunir documentos e praticar atos sequenciais em obediência aos procedimentos internos da organização e o regulamento interno de licitações e contratos, de forma que todas as informações necessárias serão disponibilizadas numa próxima fase, para que as empresas licitantes participem e a sociedade tome conhecimento de forma transparente.
As informações aqui consignadas são extremamente importantes, e a falta delas podem comprometer a solução que se pretende contratar ou inviabilizar a execução do objeto. Vejamos então, através desta decisão proferida pelo TCE/MG[2], como as falhas nesta etapa podem prejudicar a contratação:
[…].
-
A falha no planejamento da contratação, especialmente quanto à indefinição do objeto da licitação, consubstanciada no termo de referência vago e impreciso, sem indicação de quantos ou quais eventos seriam realizados, nem mesmo onde ou em que data ocorreriam, constitui irregularidade apta a ensejar a aplicação da sanção de multa à subscritora do edital. 2. O desconhecimento do objeto da contratação impossibilita a estimativa de valores, a divisão do objeto em lotes ou a estipulação de qualquer critério de julgamento da proposta, bem como o estabelecimento das exigências de qualificação técnica e econômicaindispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. É igualmente inviável chamar as licitantes à competição caso não se saiba qual serviço haverá de ser prestado ou qual produto deverá ser entregue. Em outras palavras, não é possível realizar o planejamento de algo indeterminado. (g.n)
Dica do professor:
A fase de preparação é o momento de acertar as falhas que porventura forem encontradas sem a obrigação de revogar ou anular os atos praticados. Veja, estamos falando da fase de planejamento, onde alguns aspectos necessitam estar claros para as pessoas envolvidas no processo de contratação. A dica aqui é fazer um checklist para responder algumas perguntas, como as que relacionarei abaixo:
- A solução atende a necessidade da empresa estatal?
- As regras e condições estabelecidas para participação das licitantes estão em conformidade com as normas constitucionais, Leis e o regulamento de licitações?
- O Valor estimado é compatível com o valor de mercado?
- O mercado fornecedor consegue atender a solução desejada?
- Onde vai ser a entrega ou prestação do serviço?
- Com que recurso e como será pago o fornecedor?
E outras perguntas que julgar necessárias na fase de planejamento.
Divulgação
Os prazos de divulgação e publicidade dos avisos de editais servem como limite para a apresentação das propostas pelos licitantes, e no caso das estatais serão definidos de acordo com o objeto da licitação, critérios de julgamento e regimes de empreitada. [3]
O detalhe interessante, é que o art. 32, IV, da lei das estatais remete à utilização preferencial da modalidade pregão, conforme Lei nº10.520/02, levantando-se assim, dúvidas a respeito do prazo mínimo de publicidade a ser observado nos pregões das estatais, lembrando que para contratação de bens pela Lei nº13.303/2016, em seu art.39, I, “a”, temos o prazo de 5 (cinco) dias úteis, enquanto no art.4º, V, da Lei nº10.520/2002, o prazo não será inferior a 8 (oito) dias úteis.
Essa dúvida foi enfrentada pelo TCE/SP:[4]
[…].
“em relação ao prazo mínimo de publicidade de editais de licitação na modalidade pregão, enquanto a Lei Federal nº 10520/02, estabelece, no inciso V do artigo 4º, que este deve ser de 8 dias úteis, a Lei Federal nº 13.303/16 prevê, em seu artigo 39, II, “a” que, para a contratação de serviços com critério de julgamento menor preço, o prazo deve ser de, ao menos, 15 dias úteis. Trata-se de caso de antinomia de Leis. Tendo em vista que ambas têm o mesmo grau de hierarquia, devem-se aplicar ao caso os critérios cronológico e de especialidade. Sob esses aspectos, prevalece o disposto na Lei 13.303/16 que, além de ser posterior, regulamenta, especificamente, as questões atinentes às empresas públicas e sociedades de economia mista. Também, pelo critério da hierarquia, prevalece o exposto em relação ao previsto no regulamento interno da contratante. Caso não prevaleça o entendimento de que se trata de caso de antinomia jurídica, pois é possível compatibilizar as duas normas entre si, trata-se de medida razoável a adoção do prazo mais amplo, a fim de garantir a efetividade do princípio da publicidade.” (g.n)
Dica do professor:
Para que o agente público tome suas decisões com segurança jurídica, a dica aqui é estabelecer no Regulamento Interno de Licitações e Contratos o prazo mínimo a ser adotado para publicidade em casa objeto, serviços e obras.
Apresentação de lances ou propostas, conforme o modo de disputa adotado
Os licitantes apresentarão suas propostas de preços ou lances, conforme o modo de disputa (aberto, fechado e combinado), que serão adotados pela empresa estatal para seleção da proposta mais vantajosa. É importante destacar, que a escolha do modo de disputa é função do Gestor, conforme sua experiência, características do objeto e o mercado em que este se insere.[5]
O modo de disputa fechado é semelhante ao rito tradicional da Lei nº8.666/1993, em que as propostas se mantêm sigilosas até a data e horário definidas para que sejam divulgadas. O modo de disputa aberto é caracterizado pela apresentação de lances públicos e sucessivos, crescentes e decrescentes, conforme o critério de julgamento adotado na licitação e o modo combinado será utilizado quando o objeto puder ser parcelado.[6]
Um detalhe interessante, não observado por muitos, é em relação ao modo de disputa “combinado” da Lei nº13.303/2016, que apresenta uma pequena diferença em comparação ao modo de disputa quando utilizado “conjuntamente” pela Lei nº14.133/2021.[7]
Quando falamos da lei das estatais, o Caput do art. 52 prevê que o modo combinado pode ser utilizado “quando o objeto da licitação puder ser parcelado”, ou seja, teremos uma licitação onde alguns itens serão disputados no modo aberto e outros no modo fechado. Já pela Lei nº14.133/2021, o art. 56 deixa claro que o modo de disputa poderá ser utilizado de forma ‘Isolada ou conjuntamente”, e ao utilizar “conjuntamente”, teremos uma licitação onde um único item poderá ser disputado nos modos aberto/fechado ou fechado/aberto.
Essa questão é pouco observada, e algumas empresas Estatais em seus regulamentos internos limitaram-se em simplesmente transcrever literalmente o art. 52 da Lei nº13.303/2016, quando na prática estão adotando em seus editais o modo de disputa conjuntamente (aberto/fechado ou fechado/aberto), sem a devida regulamentação, o que pode confundir os participantes e até mesmo a administração.
Apesar da questão parecer nova, não se trata de uma novidade, pois, o modo de disputa utilizado de forma conjunta (aberto/fechado ou fechado/aberto), já contava com previsão no Regime Diferenciado de Contrações – RDC, regulamentado através do decreto Nº 7.581, de 11 de outubro de 2011 e no Pregão Eletrônico através do decreto nº10.024, de 20 de setembro de 2019.
Notadamente, a utilização do modo de disputa de forma conjunta (aberto/fechado ou fechado/aberto), conforme RDC e Pregão Eletrônico, tem apresentado melhores resultados e essa vantajosidade foi destacada pelo Tribunal de Contas da União[8]. Que discorre, em termos:
[…].
-
Em seguida, foram analisados os descontos obtidos nos procedimentos licitatórios em várias situações. As análises apresentaram, em linhas gerais, indícios de que: a) os descontos médios dos procedimentos licitatórios no âmbito do RDC-Contratação Integrada são menores que os descontos médios obtidos no âmbito do LGL e do RDC-Parte Geral; b) o modo de disputa Combinado apresenta vantajosidade em relação aos modos de disputa Aberto e Fechadoquando se analisam os descontos obtidos nos procedimentos licitatórios; (g.n).
No citado Acórdão, o Relator (Min. Bruno Dantas), ainda reforça a vantagem do modo de disputa combinado. Cita o Relator:
[…].
- Também foram comparadas as licitações realizadas por modos de disputa (aberto/fechado/combinado). Por estimular maior competitividade, o modelo combinado atingiu melhores resultados, com contratações a preços mais baixos, conforme já assinalava a doutrina especializada. […].(g.n).
Sendo assim, é evidente a diferença existente nos modos de disputa combinado da lei da estatais e o modo de disputa utilizado conjuntamente da nova Lei de Licitações, pelo menos no sentido literal da Lei nº13.303/2016, e consequentemente é verificável a vantagem como apontado pelo TCU e a necessidade de regulamentação.
Dica do professor:
Não se limite à transcrição literal da lei das estatais. É importante estabelecer de forma clara como se dará a disputa através do regulamento interno de licitações e contratos.
Julgamento
Na fase de julgamento, o julgador decidirá a respeito da classificação ou não das propostas e lances. O princípio do julgamento objetivo impede que a seleção da proposta seja pautada por critérios subjetivos, de acordo com o mero gosto do agente da estatal.
Sendo assim, o julgamento respeitará os modos de disputas, os tipos de licitação, o ciclo de vida do objeto e o direito de preferência, quando adotados na licitação. Em relação aos modos de disputa, poderá ser aberto, fechado e quando o objeto da licitação puder ser parcelado, a combinação de ambos ou até mesmo a regulamentação conforme exposto no tópico anterior. Os tipos de licitação são menor preço, maior desconto, maior oferta de preço, melhor conteúdo artístico, maior retorno econômico, melhor destinação de bens alienados, melhor técnica e técnica e preço. O ciclo de vida leva em consideração o preço e os custos indiretos relacionados ao custo de vida do objeto licitado. O direito de preferência é estabelecido pela Lei Complementar nº123/2006.
Neste sentido, mesmo considerando todo regramento exposto acima para o julgamento na lei das estatais, a dúvida mais recente é em relação a utilização do procedimento auxiliar do Credenciamento, conforme hipótese prevista no art. 79, inciso II, da Lei 14.333/2021 em substituição a licitação com critério de julgamento pelo menor preço, para objetos resultantes de contratações simultâneas em condições padronizadas realizados pelas estatais.
O TCU[9], possibilitou, pelo menos no caso concreto, a utilização do credenciamento em substituição a licitação com critério de julgamento pelo menor preço, conforme hipótese prevista no art. 79, inciso II, da Lei 14.333/2021, aplicável de forma analógica às estatais. Em seu voto o relator destacou:
[…].
“o credenciamento tem sido a alternativa encontrada pela Administração Pública para contratar serviços de gerenciamento e fornecimento de vales alimentação e refeição após a proibição do emprego da taxa de administração negativa, veiculada no Decreto 10.854/2021 e na Medida Provisória 1.108/2021. Até então o objeto era licitado pelo critério de julgamento do menor preço, e vencia a empresa que fornecesse a menor taxa de administração, inclusive negativa. A impossibilidade de uso de tal critério doravante impõe à Administração o dever de encontrar modelos alternativos”. (g.n)
[…].
“embora não coincida com as hipóteses ordinárias de inexigibilidade previstas na Lei 13.303/2016, tratadas no Acórdão 351/2010-TCU-Plenário, cujos pressupostos centrais são a impossibilidade de competição e a necessidade da prestação de serviços por diversos prestadores concomitantes, é necessário reconhecer a subsunção da situação ao credenciamento previsto no art. 79, inciso II, da Lei 14.133/2021”. (g.n)
Para reforçar o seu posicionamento, o relator transcreveu excerto do voto condutor do Acórdão 533/2022 – Plenário, segundo o qual, não obstante a Lei 14.133/2021 não se aplicar às empresas regidas pela Lei 13.303/2006,
“é razoável admitir que as novas regras de flexibilização e busca de eficiênciados processos seletivos para contratações públicas, ao serem aprovadas pelo Poder Legislativo para aplicação no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional – de rito administrativo mais rigoroso -, podem, e devem, ser estendidas, por analogia, às sociedades de economia mista, que, sujeitas ao regime de mercado concorrencial, exigem, com mais razão, instrumentos mais flexíveis e eficientes de contratação. Assim, embora o credenciamento não esteja previsto expressamente na Lei 13.303/2006, é razoável admitir, na espécie, a aplicação analógica das regras previstas nos arts. 6º, XLIII, e 79, da Lei 14.133/2021 às empresas estatais”. (g.n)
Dica do professor:
Foi uma boa prática a inserção do credenciamento pela Lei 14.133/2021, como procedimento auxiliar. É um ponto interessante a ser estudado e regulamentado nas empresas estatais.
Verificação de efetividade dos lances ou propostas
Nesta fase, o agente público que está conduzindo a licitação irá verificar a idoneidade e o atendimento do conteúdo da oferta em relação aos parâmetros definidos no edital. Tem como objetivo verificar efetivamente se o bem ou serviço ofertado atende a necessidade da empresa estatal.[10]
Além das condições estabelecidas no edital, o agente público verifica a exequibilidade da proposta. A proposta inexequível é aquela que não apresenta condições de ser cumprida, porquanto gera ao seu autor mais ônus do que vantagens.[11]
No caso de Obras e Serviços de Engenharia a lei das estatais estabelece no § 3º do art. 56, que se consideram inexequíveis as propostas com valores globais inferiores a 70% do menor dos seguintes valores: “I – média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinquenta por cento) do valor do orçamento estimado pela empresa pública ou sociedade de economia mista; ou II – valor do orçamento estimado pela empresa pública ou sociedade de economia mista.”[12]
O julgador da licitação precisa se atentar que neste caso, a Lei não admite a escolha entre os incisos I e II, como parâmetro de aferição da inexequibilidade da proposta, mas exige que seja utilizado sempre o menor dos valores. Nesse sentido, já se posicionou o TCE/MG[13], conforme veremos abaixo:
[…].
-
O art. 56, § 3º, da Lei n. 13.303/2016 não permite a escolha entre os incisos I e II como parâmetro de aferição da inexequibilidade da proposta, uma vez que estabelece exigência de que seja sempre utilizado o menor dos valores. 2. Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, antes de ter sua proposta desclassificada por inexequibilidade, deve ser franqueada oportunidade ao licitante de justificá-la e demonstrar sua capacidade de bem executar os serviços, nas condições exigidas pelo instrumento convocatório. Apenas em situações extremas, caso os lances ofertados configurarem preços simbólicos, irrisórios ou de valor zero, gerando presunção absoluta de inexequibilidade, admite-se a exclusão de lance durante a etapa competitiva. (g.n)
Dica do professor:
O Agente público, que irá verificar a efetividade dos lances ou propostas, no caso de indício de inexequibilidade da proposta, deve evitar a desclassificação imediata da proposta apresentada e solicitar através de diligência que a empresa demostre sua capacidade de executar o objeto por aquele valor ofertado.
Uma boa prática que pode ser observada e até mesmo regulamentada pelas empresas estatais, é o que dispõe o Art. 34 da IN 73/2022[14], que regulamenta a licitação pelo critério de julgamento por menor preço ou maior desconto na nova lei de licitações. Vejamos:
Parágrafo único: “A inexequibilidade, na hipótese de que trata o caput, só será considerada após diligência do agente de contratação ou da comissão de contratação, quando o substituir, que comprove: I – que o custo do licitante ultrapassa o valor da proposta; e II – inexistirem custos de oportunidade capazes de justificar o vulto da oferta.” (g.n)
Negociação
A negociação é o processo em que são envolvidas mais de uma parte, para conciliar interesses contrapostos, com o objetivo de alcançar um denominador comum que seja vantajoso para ambas as partes. Vale destacar que em regra, a estatal não negocia, pois a negociação pressupõe a predisposição de ambas as partes envolvidas em ceder em alguns pontos ou aspectos, e é fato que à empresa estatal não é permitido ceder ou atenuar, por exemplo uma exigência do edital.[15]
Nada obstante, a empresa estatal necessita em atendimento ao caput do art. 57, atender a necessidade de negociação na busca por condições mais vantajosas junto ao licitante que obteve a primeira colocação na etapa de julgamento, ou que passe a ocupar essa posição em decorrência da desclassificação de outra que tenha obtido colocação superior.
Até então, a questão mais relevante envolvendo o ato de negociar não está na fase de negociação em si, mas no orçamento sigiloso disposto no art. 34 da lei das estatais, que não estabelece o momento de divulgação do orçamento e a falta desta informação compromete a busca de condições mais vantajosas com o licitante.
Considerando então, que a informação do valor do orçamento é elemento substancial para efetivação da negociação, em licitação submetida ao RDC, “o TCU admitiu que é possível a abertura do sigilo do orçamento na fase de negociação de preços com o primeiro colocado, desde que em ato público e devidamente justificado” (BARCELOS, 2020, p. 278).[16] Renila Lacerda Bragagnoli (2020)[17], da mesma forma, se manifesta que “quando a lei das Estatais torna obrigatória a fase de negociação (art. 57), entendemos possível a divulgação do orçamento nesse momento do procedimento, em busca da proposta mais vantajosa”.
No mesmo sentido, considerando a necessidade de normatizar o momento de divulgação, em resposta à Consulta nº 19/00318161, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina editou o Prejulgado nº2242,[18] com o seguinte teor:
[…].
“2.1. Nas licitações realizadas por empresa estatal ou sociedade de economia mista, inclusive na modalidade de pregão, salvo as hipóteses de julgamento pelo critério de maior desconto ou de melhor técnica, em regra vigora o sigilo do valor estimado para a contratação (orçamento), podendo a autoridade administrativa competente, nos termos do art. 34 da Lei n. 13.303/2016, justificadamente, decidir pela dispensa do sigilo em qualquer fase do processo. 2.2. É recomendável que o regulamento interno de licitações e contratos, editado com fundamento no inciso IV do art. 40 da Lei nº 13.303/2016, contenha disciplinamento quanto às hipóteses excepcionais de divulgação do valor estimado da contratação do art. 34 do estatuto jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia mista e quanto ao momento em que poderá ser divulgado depois de encerrada a fase competitiva. 2.3. Não havendo disciplinamento no regulamento interno de licitações e contratos de empresa pública ou de sociedade de economia mista, mediante previsão no edital (princípio da publicidade e julgamento objetivo), o sigilo do valor estimado da contratação deverá permanecer até o encerramento fase da competitiva do procedimento licitatório (fase de negociação – § 3º do art. 57 da Lei n.13.303/2016) ou da fase de habilitação (art. 59 da mesma Lei), previamente ao momento em que os licitantes deverão manifestar eventual interesse em interpor recursos em face da decisão administrativa, em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa.” (g.n)
Dica do professor:
Defendemos que o valor do orçamento seja divulgado após a fase competitiva, de forma que no momento da negociação o agente público tenha condições e parâmetros claros para buscar melhores condições para a empresa estatal.
Habilitação
A habilitação é fase do procedimento licitatório na qual são avaliadas as condições legais dos licitantes para se qualificarem à execução do objeto. O licitante que atender a todos os requisitos exigidos no edital, poderá ser habilitado, estando apto para assinar o contrato.
Neste momento, a empresa estatal irá avaliar um conjunto de informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto pretendido, envolvendo as seguintes avaliações: Comprovação da possibilidade da aquisição de direitos e da contração de obrigações, por parte do licitante; qualificação técnica; capacidade econômica e financeira; e recolhimento de quantia a título de adiantamento (quando adotar o critério maior oferta de preço).[19]
Nesse sentido, destacaremos apenas a qualificação econômico-financeira, considerando que a Lei nº 13.303/16, não estabelece parâmetros que podem orientar a análise da qualificação econômico-financeira das empresas que participam reunidas em consórcio em licitações das estatais. Lembrando que a finalidade dessa exigência, é assegurar a Administração acerca da boa saúde financeira das empresas que assumirão o futuro contrato.
A dúvida recorrente, no caso do consorcio, é sobre a exigência dos índices contábeis, de forma que a aferição da capacidade econômico-financeira das licitantes deverá ser feita através da exigência individualizada ou em conjunto. O TCE/SP[20] já se manifestou sobre o caso, vejamos:
[…].
Qualificação econômico-financeira – Consórcio – Análise individualizada, o TCE/SP, ao examinar edital de pregão, entendeu que “A aferição da capacidade econômico-financeira de interessadas por meio da apresentação de índices contábeis deve ser feita, no caso de empresas reunidas em consórcio, de maneira individualizada por cada empresa.” (G.n).
Dica do professor:
Inserir no edital ou até mesmo no regulamento as possibilidades de aferição da qualificação econômico-financeira.
Interposição de recursos
Segue-se a fase recursal, na qual os licitantes poderão instar a Administração a rever atos que entendem ser lesivos, sendo obrigados a fundamentar suas insatisfações. “De acordo com o §1º do art. 59, quando não for prevista a inversão de fases, realizada a habilitação, os licitantes poderão apresentar recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, em relação a atos ocorridos ao longo das etapas de julgamento, verificação da efetividade dos lances ou propostas, e habilitação”.[21]
Em relação a fase recursal, o TCU já se manifestou que “Constitui falta grave a supressão ou o descumprimento do prazo legal para exercício pelos licitantes do direito a recorrer, o qual, necessariamente, só pode ser exercido antes de homologada a licitação e adjudicado o seu objeto. (TCU. Acordão nº 1728/2014 – Plenário). [22]
Dica do professor:
Recomendamos que o agente público comunique formalmente sobre todos os atos praticados no âmbito da licitação, principalmente em relação a fase recursal.
Adjudicação do objeto, homologação do resultado ou revogação do procedimento
O art. 51 da Lei nº13.303/16 trazem as fases do procedimento licitatório na sequência de cada ato, de forma que os incisos IX e X, respectivamente, “adjudicação do objeto” e “homologação do resultado ou revogação do procedimento” encerram a licitação.
Segundo Torres; Barcelos[23], “a adjudicação é a vinculação do objeto ao licitante habilitado”. Isso nos permite entender que ao adjudicar, a empresa estatal considera o licitante apto para o contrato, mas o licitante ainda não possui direito de assinatura de contrato. É o mesmo que dizer: “se eu for contratar, será com sua empresa”.
Agora, o ato de homologar é totalmente diferente, de acordo com Niebuhr (2018, p. 241):[24]
“a autoridade competente empreende dois juízos distintos: quanto ao mérito e quanto à legalidade. No que tange ao mérito, ela deve avaliar se continua a haver interesse público em realizar a contratação. Se a autoridade competente reputa inconveniente proceder à contratação, deve revogar a licitação pública. No tocante à legalidade, a autoridade competente deve verificar as providências tomadas pela comissão de licitação ou pregoeiro a fim de constatar a regularidade do processo.”
Quanto a homologação, a legislador fixou o efeito no art. 60 da lei das estatais, de que “a homologação do resultado implica a constituição de direito relativo à celebração do contrato em favor do licitante vencedor”.
Como destacado no início, estamos na fase de encerramento do processo, em que ele será encaminhado para a autoridade superior que deverá adjudicar, homologar ou até mesmo revogar a licitação. A dúvida que ocorre, é em relação a responsabilidade e necessidade de conhecimento pleno do processo por parte da autoridade superior. Nesse sentido, o TCU já se manifestou através do Acordão nº3178/2016[25]: “Exigir que a autoridade pela homologação tenha conhecimento pleno de tudo quanto consta no processo licitatório é fazer letra morta ao princípio da eficiência, introduzido no art. 37 da Constituição Federal[26] pela Emenda Constitucional 19/1998”.
Dica do professor:
Dentro do processo licitatório, esta é a fase final, e um elemento importante a destacar é a necessidade de uma conferência geral de todos os atos praticados antes de assinar o contrato.
Conclusão
O regime jurídico, licitatório e contratual das empresas estatais foi totalmente alterado pela publicação da Lei nº13.303/16, tornando-o mais flexível, dinâmico, próximo às relações de direito privado e dando mais discricionariedade ao gestor da empresa estatal para conduzir as licitações na busca da proposta mais vantajosa, lembrando que essa flexibilidade necessita ser acompanhada por um bom regulamento interno de licitações e contratos.
Este trabalho foi apenas uma breve atualização, onde buscamos rever alguns conceitos, pesquisar alguns acórdãos e precedentes mais recentes em cada fase da lei das estatais, somadas à dica do professor.
Esperamos contribuir com aqueles que se interessam pelo assunto, o gestor, o pregoeiro ou qualquer agente público envolvido na prática diária do mundo das licitações nas empresas estatais.
Mensagem do autor,
Com base na Lei das Estatais, gostaria de compartilhar esse trabalho que destaca a importância das fases licitatórias e traz alguns elementos capazes de subsidiar o agente público no momento da tomada de decisões. Vale destacar que esta lei representa uma inovação significativa no cenário das empresas públicas e sociedades de economia mista e isso nos lembra da responsabilidade que essas entidades têm para com a sociedade e o país como um todo.
Compreender as fases do processo licitatório, conforme estabelecido na Lei nº13.303/2016, visualizar alguns entendimentos dos tribunais de contas e com as dicas aqui deixadas, espero contribuir humildemente para que as empresas estatais operem de maneira eficiente, ética e em conformidade com as melhores práticas, gerando no público e nos acionistas a confiança.
Boa leitura!
[1] BRASIL. Lei nº 13.303 de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm >. Acesso em: 08/11/2023.
[1] ALTOUNIAN, Cláudio Sarian; CAVALCANTE, Rafael Jardim; COELHO, Silvio Kelsen. Empresas Estatais: Governança, compliance, integridade e contratações Os impactos da Lei no 13.303/2016: 230 questões relevantes. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
[2] TCE/MG; Processo nº 1041493; 2ª Câmara; Relator: Conselheiro Wanderley Ávila; j. em 24/02/2022
[3] NIEBUHR, Joel de Menezes.; NIEBUHR, Pedro de Menezes. Licitações E Contratos Das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
[4] TCE/SP, Sentença nº 16018.989.19- 4, Cons. Rel. Marcio Martins de Camargo, j. em 25.06.2020.
[5] e 7 BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles de Lopes. Licitações E Contratos Nas Empresas Estatais: Regime licitatório e contratual da Lei nº13.303/2016. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
[7] BRASIL. Lei nº 14.133 de 1 de abril de 2021. Dispõe Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm>. Acesso em: 08/11/2023.
[8] Acórdão nº 306/2017 – TCU – Plenário
[9] Acordão 5495/2022 – Segunda Câmara – TCU
[10] BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles de Lopes. Licitações E Contratos Nas Empresas Estatais: Regime licitatório e contratual da Lei nº13.303/2016. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
[11] NIEBUHR, Joel de Menezes.; NIEBUHR, Pedro de Menezes. Licitações E Contratos Das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
[12] BRASIL. Lei nº 13.303 de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm>.
[13] TCE/MG; Processo nº 1102224; 2ª Câmara; Relator: Conselheiro Substituto Adonias Monteiro; j. em 17/06/2021
[14] BRASIL. Instrução Normativa SEGES nº 73 de setembro de 2022. Dispõe sobre a licitação pelo critério de julgamento por menor preço ou maior desconto, na forma eletrônica, para a contratação de bens, serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: < https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-me-no-73-de-30-de-setembro-de-2022>.
[15] NIEBUHR, Joel de Menezes.; NIEBUHR, Pedro de Menezes. Licitações E Contratos Das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
[16] BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles de Lopes. Licitações E Contratos Nas Empresas Estatais: Regime licitatório e contratual da Lei nº13.303/2016. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
[17] BRAGAGNOLI, Renila Lacerda. 4 novidades da Lei das Estatais ainda pouco conhecidas e um instituto polêmico. 2020. Disponível em: <https://noticias.eloconsultoria.com/4-novidades-da-lei-das-estatais-ainda-pouco-conhecidas-e-um-instituto-polemico/#_ftnref5> Acesso: em 07 novembro, 2023.
[18] TCE/SC, Prejulgado nº 2242, Cons. Rel. Luiz Roberto Herbst, j. em 15.07.2020.
[19] BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles de Lopes. Licitações E Contratos Nas Empresas Estatais: Regime licitatório e contratual da Lei nº13.303/2016. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
[20] TCE/SP; Tribunal Pleno; TC-005916.989.21-3; Relator: Conselheiro Renato Martins Costa; j. em 31/03/2021
[21] e 23 BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles de Lopes. Licitações E Contratos Nas Empresas Estatais: Regime licitatório e contratual da Lei nº13.303/2016. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
[23] BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles de Lopes. Licitações E Contratos Nas Empresas Estatais: Regime licitatório e contratual da Lei nº13.303/2016. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
[24] NIEBUHR, Joel de Menezes.; NIEBUHR, Pedro de Menezes. Licitações E Contratos Das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
[25] Acordão nº3178/2016 – Plenário – TCU
[26] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.